sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Meditação como receita revolucionária

Monge-ativista estadunidense que participa do Fórum Social Mundial associa espiritualidade e ação social para combater o contradições do modelo de mundo atual

Cabelos e barba grisalhos e longos, olhar sereno e determinado, falar doce, gestos didáticos. O monge Dada Maheshvarananda é mais que um simples ativista político. Não é pelo seu nome incomum ou seu uniforme laranja - incluído o turbante - que ele se diferencia de qualquer outra pessoa que luta por um mundo melhor. Engajado em projetos sociais ou em meio a uma multidão num protesto de rua, como na abertura da sexta edição do Fórum Social Mundial ontem (24), a sua é apenas mais uma voz que sonha e exige mudanças. Mas observá-lo em postura de meditação no decorrer de um desses eventos talvez nos faça entender por que, nesse caso, ele seja especial. Conhecido simplesmente como Dada (irmão do sânscrito), esse estadunidense de 52 anos renunciou tudo para se dedicar à humanidade ensinando meditação e yoga e fazendo serviço social.

Nas suas palavras: "Com a meditação e o serviço desinteressado eu fui capaz de sentir amor incondicional e felicidade verdadeira." Aos 25 anos, Dada embarcou para a Índia para virar um monge do movimento sócio-espiritual mundial Ananda Marga, presente em várias atividades do Fórum. Deixou para trás família, amigos, universidade e também os protestos contra a guerra do Vietnã. Após o treinamento de dois anos na Índia e no Nepal, ele conduziu projetos humanitários e ensinou meditação e yoga gratuitamente por 14 anos no Sudeste Asiático. Transferido para o Brasil em 1992, trabalhou por 11 anos em favelas, prisões, escolas, universidades e em parceria com vários movimentos populares e intelectuais progressistas, como Frei Betto, Paulo Freire, Leonardo Boff, Marcos Arruda.

Dada dedicou parte de seu tempo no país à divulgação de Prout (Teoria da Utilização Progressiva), modelo socioeconômico alternativo fundado pelo filósofo indiano P. R. Sarkar nos anos 60. Em 2001, ele lançou seu terceiro livro, "Após o Capitalismo - Visões de Prout para um mundo novo", durante a segunda edição do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Hoje, a obra está disponível em seis idiomas. No prefácio, o lingüista americano Noam Chomsky assinala "A visão cooperativa de Prout para um modelo de democracia econômica, baseado em valores humanos essenciais e na correta distribuição dos recursos do planeta, merece séria consideração." Em sua contribuição ao livro, o teólogo Leonardo Boff escreve "Prout é um sistema importante para aqueles que almejam a liberação, partindo da economia até a total liberação pessoal e social da humanidade."

Nos últimos dois anos Dada tem viajado pela Europa promovendo ideais sociais e espirituais. Nos últimos meses, ele tem atuado como consultor da PDVSA, a poderosa estatal petrolífera venezuelana. Entre suas atividades, o monge trabalha para implementar um modelo de cooperativismo entre os funcionários da empresa.

Leia alguns trechos da entrevista a seguir:

Você se considera um tipo de revolucionário?

Revolução significa uma enorme força para transformar. No mundo hoje, violência e pobreza matam desnecessariamente crianças a cada três segundos na África, por exemplo, e isso é uma coisa que tem que ser mudada o mais rápido possível. Eu me dedico a servir a humanidade, encorajando as pessoas a descobrir seus próprios potenciais para atingir essa força que transforma. Por isso, eu me considero um revolucionário.

O mundo precisa de uma revolução? Como ela seria?

Precisamos unir dois pontos: transformação pessoal e social. Um não acontece antes do outro, os dois acontecem simultaneamente. O mundo precisa de novos homens e mulheres e de uma sociedade apropriada para todos os seres humanos. O sistema global capitalista é baseado em lucro, ganância e egoísmo e isso não resolve problema nenhum. Nas escolas elementares nós ensinamos as crianças a compartilhar, mas na prática fazemos o contrário. Precisamos basear esse sistema em cooperação para criar uma democracia econômica e novas alternativas. Com muita luta conseguimos alcançar a democracia política em boa parte do mundo, mas em muitos países isso ainda não funciona, e as diferentes formas de violência contra o ser humano continuam existindo e crescendo.

E o que meditação tem a ver com economia e alternativas sociais?

Meditação nos ajuda a entender melhor nossa própria realidade. Precisamos de uma transformação total em cada aspecto de nossas vidas. O pior nível de violência é aquele estrutural, a violência de instituições. Eduardo Galeano (escritor uruguaio) explicou que os países que estão falando de paz são os mesmos responsáveis pela mais alta produção e venda indiscriminada de armas: Israel, EUA, Inglaterra. Essas armas têm um só objetivo, matar gente. Instituições como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional causam pobreza por causa de pressões por reformas estruturais em países pobres e subdesenvolvidos. No Brasil, por exemplo, a ordem é privatizar e reduzir gastos ao máximo. A equação é simples: redução de investimentos em educação, saúde, etc., dependência do humor do mercado financeiro, menos poder de decisão ao Estado. No final, o bem-estar da população é sempre afetado. Meditar nos faz perguntar o por quê dessas coisas, a razão pela qual nos acostumamos a certas injustiças. Você pode responder essa questão?

Como foi ensinar meditação e yoga no Brasil?

Eu fui bem aceito, até recebi o apelido de Osama Bin Laden. O brasileiro tem um grande interesse em misticismo, em conhecer a conexão de uma pessoa com o cosmos, o supremo. Mais do que em outros países, o Brasil é fascinado pelo esotérico. O sucesso dos livros de Paulo Coelho e outros títulos do gênero é uma mostra disso. Os mistérios atraem os brasileiros. O universo é sempre misterioso e é estúpido dizer que a ciência saiba tudo sobre o universo. Albert Einstein disse uma vez: "Há dois tipos de pessoas nesse mundo: um não acredita em milagre; o outro acredita que tudo é milagre!". Ele se considerava do segundo tipo. Eu também estou com ele, como grande parte dos brasileiros. Cada ser humano é um milagre da criação por seus potenciais físico, psíquico e espiritual. E a meta de yoga é desenvolver esses potenciais. Talvez seja essa busca em comum que me faz estar bem com a gente brasileira.

Você também conheceu uma realidade mais crua?

Eu não era capaz de falar dez palavras em português quando cheguei ao Brasil, mas estava feliz em observar pelas ruas de São Paulo a harmonia da grande mistura de raças. Uma semana depois, recebi um convite para falar num evento do Rotary Club International, num grande hotel. Havia 48 pessoas; todas de pele branca. Pensando melhor, entendi que as elites brasileiras são racistas. Talvez a maior parte da população não, mas as elites sim. Isso prova que existe racismo estrutural no Brasil, explicado pela violência, pobreza e pelo analfabetismo e desemprego em maior número entre as pessoas de pele escura e pobres. Me aproximei bastante dessa realidade ensinando meditação e yoga em penitenciárias e trabalhando com comunidades e movimentos populares.

É difícil imaginar um preso sentado em meditação, considerando as condições das prisões brasileiras. Fui voluntário no Carandiru por um ano e outros quatro na penitenciária José Maria Alckmin, em Neves, perto de Belo Horizonte. Meu papel era encorajar os presos a utilizarem seu tempo de pena na sua transformação pessoal através de técnicas milenares de meditação e yoga. Essas práticas os ajudavam a serem mais positivos e a estudar e lutar para se tornarem exemplos para eles mesmos, para suas famílias e para a sociedade. Não era fácil, mas muitos eram sinceros e alguns realmente mudavam.

Qual era a maior dificuldade para um preso aprender a meditação?

Aceitar a mudança, reconhecer a necessidade de transformação. Por exemplo, um detento se interessou em aprender meditação pessoal ao final de um curso de cinco semanas. Conversamos um pouco e ele me disse que estava ali porque tinha matado o assassino de seu irmão. "Essa foi a única pessoa que você matou?", perguntei. "Não Dada, foram várias. Tinha que seguir as regras da minha gang. Se eles matassem um dos nossos, a gente tinha que matar cinco dos deles", ele respondeu. Tradicionalmente grupos criminosos usam essa perspectiva para eliminar ameaças. Se uma pessoa é perigosa, ela precisa ser eliminada; isso inclui amigos, família, que também acabam entrando nesse círculo vicioso de violência. O meu aluno confessou que sua experiência numa favela de Belo Horizonte era exatamente assim, reconhecendo que o único jeito para sair dessa situação era através da mudança. Eu fui direto: "Não é fácil, mas para aprender meditação você terá que fazer um juramento de não machucar ninguém intencionalmente. Está preparado?". Chorando e tremendo muito, ele disse sim.

Espiritualidade não era o seu único trabalho...

Eu escrevi meu livro no Brasil. Em "Após o Capitalismo..." eu falo das propostas de Prout (Teoria da Utilização Progressiva), que é um modelo econômico alternativo proposto pelo filósofo indiano P. R. Sarkar na década de 60. Prout é baseado em cooperativas, auto-suficiência e desenvolvimento responsável e no valor moral. O livro foi só uma semente do meu trabalho de divulgar esse sistema em todos os setores da sociedade, principalmente naqueles que buscam alternativas como os movimentos sociais e comunidades organizadas. Por se tratar de um modelo holístico, eu trabalhei com vários grupos, do MST ao movimento inter-religioso, de partidos progressistas a organizações de economia solidária.

Um dos slogans do modelo econômico que você defende é "Globalização da humanidade, localização da economia"! Por que existe desemprego no Brasil?

Não por falta de trabalho necessário, mas por causa de falta de dinheiro. Um exemplo: o Brasil está inundado com produtos chineses, assim como na Europa, onde esse ponto é ainda mais grave. Muitas indústrias e pequenos empreendimentos vão a falência porque não conseguem mais competir em seus próprios mercados. No modelo de Prout, pequenos e médios empreendimentos, organizados em cooperativas, são o pilar do sistema econômico. Por exemplo, o Brasil acaba produzindo menos roupa porque é mais em conta importar. E vestuário, junto com educação, saúde, habitação e energia, é uma necessidade básica e deve ser produzida localmente, criando uma economia auto-sustentável e forte. Por isso, de acordo com o sistema de democracia econômica de Prout, é necessária uma pequena proteção e controle da balança de importações e exportações de certos produtos. Por que os países ricos protegem seus mercados criando barreiras a exportações, com altas tarifas, e pregam o contrário em relação a países pobres?

Como é falar dessa alternativa econômica sem que as pessoas te associem a algum grupo religioso? Existe um tabu entre espiritualidade e ação política?

Não é difícil. Antes de virar monge eu era ativista contra a guerra do Vietnã e na universidade meu curso era Estudos para a Paz, estudava como construir paz no mundo. E quando encontrei essa forma de yoga e meditação com uma perspectiva ativista de Ananda Marga eu tive uma explosão mental. Ou seja, ser o mais pacifista possível internamente e lutar contra injustiças na forma atual externamente. Na verdade, eu estou apenas encorajando as pessoas a pensarem de um jeito diferente, com uma visão holística. As idéias que eu tenho sempre existiram, os meus valores éticos são iguais a de outros progressistas. O problema não é apenas ecológico ou político ou econômico. São todos integrados, ligados a uma causa comum. Paulo Freire insistia tanto nisso. Funciona assim também com a transformação pessoal para tornar uma pessoa mais forte, com mais força de vontade para lutar. As elites mundiais sabem bem que quando celebramos ao extremo com carnaval e álcool não vai ter revolução. Devemos celebrar sim, devemos brincar o carnaval. Porém, temos que pensar também que os vícios estão matando famílias... violência doméstica, dependência química. Devemos pensar que muitos dos vícios têm um efeito que vai além do físico e do social, reduzem nossa resistência contra a exploração.

E foi a meditação que te ajudou a chegar a essa conclusão?

A meditação te dá clareza para entender muitas coisas, como as mentiras que a televisão envia. A sociedade e os meios de comunicação nos ensinam que felicidade depende de prazeres, de desejos realizados em troca de certa quantidade de dinheiro. Na verdade, isso é uma mentira, porque nossa felicidade não depende de qualquer coisa externa. Essa é a minha revolução. Através da meditação e do serviço desinteressado eu fui capaz de sentir amor incondicional e muita felicidade. É por isso que eu uso essa cor laranja, que significa que minha vida é inteiramente dedicada à humanidade e que eu trabalho apenas para encorajar as pessoas a descobrir a fonte de felicidade dentro de cada coração.

Essa é a sua receita para um vida equilibrada e... feliz?

O ideal seria meditar duas vezes por dia, por um período de 20 minutos. Parece muito, mas esse curto tempo de meditação vai liberar muito mais tempo na sua vida. Você talvez dormirá um poucos menos em troca de mais energia, mais clareza, mais felicidade. Ou seja, você perderá menos tempo com a sua organização, pressões externas ou estresse. É fácil, basta sentar-se sozinho em silêncio, com olhos fechados, imaginando que tudo é amor - significado do mantra universal Baba Nam Kevalam, que pode ser repetido mentalmente na cadência da respiração tranqüila e regular. Outro conselho é a leitura do meu livro e trazer ação à sua vida. "Pensar globalmente, agir localmente" - é um slogan ecológico. Faça algo, porque sua pequena ação positiva, mesmo que pareça insignificante, para melhorar alguma coisa pode se unir com outras ações até atingir o ponto da grande revolução.

"A meditação te dá clareza para entender muitas coisas, como as mentiras que a televisão envia. A sociedade e os meios de comunicação nos ensinam que felicidade depende de prazeres, de desejos realizados em troca de certa quantidade de dinheiro. Na verdade, isso é uma mentira, porque nossa felicidade não depende de qualquer coisa externa. Essa é a minha revolução. "

Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/01/343771.shtml

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